Os humanos têm mania de estudar tudo. A quantidade de chuva que cai do céu, o significado dos sonhos, o tamanho das lagartixas.
Não que isso tudo não seja importante.
Mas alguém aí pesquisou por que cachorros gostam tanto de dormir com a cabeça sobre um tênis velho?
É o que eu estava tentando fazer quando as duas matracas começaram a tagarelar
– Bia, o que você está pensando?
– Na prova de amanhã.
– Mas a gente estudou tanto! Você está preocupada com o quê?
– E se eu não lembrar de nada?
– Claro que você vai lembrar!
– Minha mãe conhece uma mulher no trabalho que a mãe dela não lembra mais quem ela é.
– Deve ser um vírus, ela toma remédio e fica boa.
– Não tem remédio pra isso, minha mãe disse.
– Então ela opera.
– Também não dá pra operar.
– Ah, que chatice, Bia! você não vai esquecer quem você é, nem da lição.
– E se a gente brincar de esquecer, Nanda? Melhor, do que não esquecer!?
Juca Nenê pulou para a almofada atento:
“Brincar de esquecer? O que essas duas estão tramando”
– Que brincadeira é essa de não esquecer, Bia?
– Você escolhe coisas que nunca quer esquecer e pronto.
– Legal, eu começo. Primeiro, eu não quero esquecer de você. É a primeira coisa.
– Muito bom mesmo porque eu também não quero esquecer de você, Nanda. E depois?
– A segunda coisa: eu não quero esquecer do céu, as estrelas, os planetas…
– Ah, Nanda, quem vai esquecer o Universo? Ele está sempre lá. Dia e noite vai estar lá.
Juca Nenê virou o pescoço, bocejou e pensou: “Essa brincadeira de não esquecer vai longe”.
– Mas eu posso esquecer, Bia. E se eu olhar pro céu e achar que é uma floresta? Eu acho legal árvore, mas tenho medo de bichos!!
– Hellô!!! Você vai estar esquecida! Não vai lembrar que tem medo de bicho.
– Verdade, Bia. Mas eu não quero esquecer o céu e pronto.
– Tá bom. Você não vai esquecer as estrelas. E depois?
– Do Bob Marley?
– Quem?
– O cantor Bob Marley.
– Não conheço.
– Minha mãe ouvia quando eu estava na barriga dela, então eu gosto, porque lembro dela. E me dá um acalanto redondinho na barriga.
Enquanto Bia cantarolava Bob Marley, Juca se retorcia sobre o tênis:
– Senhor Deus dos malteses, faça essas duas calarem a boca! Eu quero dormir!!!
– Vai, Bia. Sua vez. O que você nunca quer esquecer?
– Do Júnior!!!
– Que Júnior?
– O da oitava série, Hello!
– Ah, não vale, eu não pensei nele, você vai ficar com ele e eu esquecida e sozinha?
– E a culpa é minha?
(Juca)
– Meninas (bocejo)
– Esse jogo tá muito chato. Não quero mais.
– Verdade.
– Vamos esquecer isso???
– Bora brincar de outra coisa?
– Legal, cadê o Juca?
– Jucaaaaaaaaa!!!!!!!!! Pega a bolinha ali!!!
“Bolinha, alguém falou a palavra bolinha? Demorô!”